floquinhos

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O teu silêncio é...


Faz tempo que não trago aqui, para nosso bate-papo, meu amado Fernando Pessoa. Não que não o leia sempre, nada disso... É que são tantos os poetas de meu coração que acabo me perdendo entre eles. Então, hoje o dia é do Mestre...

HORA ABSURDA

(Fernando Pessoa)

O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso, no teu silêncio, é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...

Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha idéia de ti é um cadáver que o mar traz à praia... e entanto
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...

Abre todas as portas e que o vento varra a idéia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cheia,
E a minha idéia de te sonhar, uma caravana de histriões...

Chove ouro baço, mas não no lá fora... É em mim... Sou a Hora.
E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela...
Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...
No meu céu interior nunca houve uma única estrela...

Mas o céu é pesado como a idéia de nunca chegar a um porto...
A chuva miúda, é vazia... A Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquer coisa como os leitos para as naus!... Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...

Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há.
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...

(continua)

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