floquinhos

quinta-feira, 26 de março de 2009

CRONICAS DE MINHA INFANCIA (14)


O ENGENHEIRO


Era o início dos anos 50, dourados anos de minha infância e adolescência.
Morávamos no casarão onde nasci, um sobrado amplo, que vive na minha memória. Eram tempos difíceis, o que obrigava as famílias menos favorecidas a se juntarem numa mesma casa para poderem sobreviver com um pouco mais de dignidade. Assim cresci em companhia de meus primos, além de minha irmã, já que meu irmão só nasceria alguns anos depois. Minha irmã, Elza, e minha prima, Belinha, teriam uns 16 ou 17 anos e, como todos os jovens, costumavam fazer o “footing” aos sábados e domingos à noitinha, na Avenida Rangel Pestana. Hoje os jovens vão para o shopping centers.
Mas eu era apenas uma “fedelha”, uma pirralha que acompanhava os preparativos das duas, antes de saírem, diante do espelho, imaginando que quando chegasse meu tempo de “passear na avenida” também usaria o pó de arroz Lady e passaria nos lábios o batom Naná. O perfume que impregnava a sala não era outro senão o Tabu... E elas faziam-se lindas, perfumadas... E lá se iam com a recomendação das mães:
- Às nove, em casa. Se passar um minuto disso, vocês não saem mais.
E assim era, realmente. Imaginem as meninas de hoje cumprindo uma ordem dessas! Às nove elas estão começando a pensar em sair...
Naquele domingo de verão, cumpriu-se a mesma rotina e, lá se foram sorrindo para o tão esperado passeio. A avenida era o centro comercial do bairro e lá se instalaram filiais de lojas muito conceituadas na época como a Clarck, a Pascoal Bianco e até as Lojas Americanas, que acabavam de ser inauguradas. Os rapazes postavam-se junto às lojas ou ao meio fio da calçada e as moças iam e vinham, assim como quem não quer nada, conversando entre si, braços dados, num meio sorriso, as mais tímidas, ou num olhar mais atrevido, num sorriso mais aberto, as mais arrojadas. E os “flertes” corriam céleres, estendendo-se às vezes por muitas semanas até que o rapaz tomasse coragem e fosse falar com a moça, iniciando um namoro. E desses namoros surgiram vários casamentos... Minha prima vinha encantada com um rapaz, alto, esbelto, devidamente engravatado, cabelos meticulosamente arranjados, fixados certamente com Gumex (Dura lex sede lex, no cabelo só Gumex) ou Glostóra, um “primor” de rapaz... e viu, coração aos pulos, seu sonho se realizar. Ele veio, apresentou-se, disse ser engenheiro, falou da família, do lugar onde morava, conversou sobre tantas coisas e, finalmente, pediu-a em namoro. Naquela noite ela nem conseguiu dormir de tanta emoção... Além de tudo, era engenheiro... Imagine só, ela namorando um engenheiro! As amigas iam morrer de inveja!
Na segunda feira estavam as duas ainda a comentar os acontecimentos da véspera, eu a escutar, embevecida, sonhando com quando chegasse a minha vez de namorar um engenheiro, talvez até um médico, quem sabe? quando se ouviu o pregão do garrafeiro. Era muito comum passarem homens comprando garrafas, que depois revendiam para fazer algum dinheiro, exatamente como fazem hoje os catadores de papel.
- Garraafeeeeeeeiiiiroooooooo... Compro garrafas, jornais e revisssssstasssssss... Olha o garrafeeeeeeeeeiiiiiiiiroooooo...
Minha mãe sempre juntava as garrafas e os jornais já lidos para vender e ao ouvir o pregão pediu que eu descesse e pedisse ao homem que subisse para pegá-los. Assim foi feito e, ao chegar á sala com o rapaz, percebi que minha prima arregalou os olhos, as faces lívidas a boca aberta num Ohhhhh! quase inaudível... O rapaz parou, como que petrificado, por uns instantes e depois virou nos calcanhares, andando aos trambolhões, quase despencando pela escada abaixo enquanto minha irmã, sem se conter, entre gargalhadas, repetia:
- O engenheiro!!!! Prima, olha lá o seu engenheiro!!!...

(Do livro "Encontro com a menina que eu fui"


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