floquinhos

domingo, 14 de dezembro de 2008

OS ESTATUTOS DO HOMEM

Os Estatutos do Homem - Ato Instituvional Permanente
(A Carlos Heitor Cony)


(Thiago de Mello, um dos poetas de meu coração, nasceu em 1926, na cidade de Barreirinha, no Amazonas. e é um dos poetas mais influentes e respeitados, de nossa literatura, um ícone da literatura regional, tendo suas obras traduzidas para mais de trinta idiomas.)


Art. 1: Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida e que de mãos dadas trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Art. 2: Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Art. 3: Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Art. 4: Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único: o homem confiar no homem como um menino confia em outro menino.

Art. 5: Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silencio nem a armadura das palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Art. 6: Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Art. 7: Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Art. 8: Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar amor a quem se ama sabendo que é a água que dá a planta o milagre da flor.

Art. 9: Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal do seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o que da a planta o milagre da flor.

Art. 10: Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida, o uso do traje branco.

Art. 11: Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama o belo e por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Art. 12: Decreta-se que nada será obrigado nem proibido. Tudo será permitido, sobretudo brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Art. 13: Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Art. 14: Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio e sua morada será sempre o coração do homem.

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