floquinhos

terça-feira, 25 de novembro de 2008

UMA AULA DE MUSICA RESGATADA NO TEMPO


Sempre tratei com respeito a passagem do tempo e vi com serenidade as mudanças que foram acontecendo em meu corpo. É a lei da vida. A lei que a grande maioria das pessoas não costuma aceitar muito bem e algumas delas até travam uma guerra feroz contra tais leis, nos salões de estética, nas academias, nos centros cirúrgicos em lipoaspirações, cirurgias, e tantos outros procedimentos que chegam, por vezes, a por em risco as próprias vidas dessas batalhadoras em prol da juventude eterna e da beleza.
Embora não faça parte dessa equipe, sei bem que manter um mínimo de atenção e cuidados para comigo mesma é o que se espera de qualquer mulher da atualidade. Alem do mais, o clima fica extremamente seco nos meses de outono/inverno, parece que a pele vai acabar rachando, se não for usado um bom creme para ajuda-la a passar essa temporada. Pensando assim, depois do banho matinal procuro sempre dedicar um tempo a esses cuidados e tento fazer desse tempo um momento agradável, um momento de boa musica.
Nesta manhã, a musica de Karajan enchia o quarto, penetrava-me a alma. E enquanto ia massageando levemente minhas mãos, meus braços, as pernas, o corpo ao som dessa musica ia sentindo um bem estar, uma paz incrível. O Barqueiro do Volga, com suas notas foi abrindo meu baú de memórias... Ah, lá vou eu caminhando pelo tempo... E encontrei-me, de repente, no andar superior da escola, na Carlos de Campos, no espaço dedicado as aulas de musica e entre minhas colegas acompanhava a aula. Lá estava o professor Miguel Izzo. Figura simpática, um homem de meia-idade, corpulento, estatura media, calvo, bigodes, óculos... Será que era mesmo assim? Ou o tempo distorceu sua imagem na minha memória? E ele ao piano, tocava O Barqueiro do Volga e regia o coral das meninas. Ali estavam pessoas que foram muito importantes para mim nessa fase de minha vida e que o tempo se incumbiu de afastar. Uma por uma elas foram se chegando... Daisy, amiga predileta, lindos olhos verdes, sonhadora, apaixonada, vivendo a paixão dos quinze anos... Elidia, lindos e encaracolados cabelos ruivos, tocava violino e deixava sempre uma aura de encantamento quando contava as apresentações do grupo, quando falava dos vestidos lindos de baile que usava, da maquiagem... usar maquiagem, para mim era quase um sonho. Esther, a bailarina, a enigmática menina que trazia nos olhos uma tristeza indisfarçável desde que os médicos a proibiram de dançar por um problema nos pulmões. Clara, uma alemãzinha (modo de falar, porque era bem alta) de cabelos muito louros e lisos, rosto marcante, olhar de criança, sorriso de mulher. Yara, a que viera do Rio (de Janeiro) e que soube se fazer amiga. Laís, a bela e estabanada Laís, parecendo sempre criança... Alcina... a linda Alcina. Beleza negra, pura, tão expressiva que o professor de cerâmica, um escultor, esculpiu-lhe um busto. E ficávamos do lado de fora da janela, observando seu trabalho, enquanto ela posava sem sequer olhar para o nosso lado para não rir, aquele seu riso branco, lindo, e assim atrapalhar o mestre em seu trabalho... e havia a Ruth, uma amiga muito especial, que não estava na minha classe, mas fazíamos o caminho de ida e volta a escola juntas, como a Zeza (Maria Olézia), éramos vizinhas e amigas... Ah, que saudades... Cada uma delas deixou em meu livro de recordações uma frase, um poema, um nome, uma amizade, uma saudade... Alguém escreveu qualquer coisa como: “Um dia, quando a neve do tempo tiver branqueado seus cabelos, ao abrir este livro de recordações, encontrará meu nome entre tantos outros...” e terminava com ...”espero não ter sido apenas um nome que ficou neste livro”.
Pois é, amigas, o tempo passou, a neve do tempo encobriu meus cabelos (mas fica escondida sob a tintura... rs) e devo reconhecer que a ação dos anos é, quase sempre implacável, Mas vocês são muito mais do que um simples nome num velho álbum de recordações. Vocês são parte de minha vida, vocês são doces lembranças de minha adolescência, vocês são saudades que eu gosto muito de sentir.

Dulce Costa / Novembro/2008

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